19 Mar 2015

A figura da semana - JOSÉ ÁGUAS - 14 Out 1950



    Não será temerário afirmar haver nascido um “jogador de futebol” de nome José Pinto de Carvalho Santos Águas, nascido em 9 de Novembro de 1930, portanto, ainda muito novo, vai fazer agora vinte anos. Trata-se de um elemento que o Benfica descobriu na sua recente digressão a terras de África, agora transferido para o clube. José Águas  jogava pelo Lusitano (do Lobito) mas a sua inclinação era benfiquense.
    Na estreia já o rapaz revelara qualidades, mas agora excedeu toda a ordem de previsões, transformando-se num valor que não pode deixar de ser examinado pela crítica.
   Tinham-nos dito que Águas era um jogador de pouca estatura e força, verificando-se na prática que tal asserção não nos parece inteiramente exacta. Certamente, o jogador foge ao choque, mas tal deve-se mais ao seu processo de jogo do que à míngua de recursos físicos. Trata-se, esta é a verdade, de um elemento de grande intuição, com o condão de transformar os lances difíceis em jogadas fáceis.
   É surpreendente a sua tranquilidade em frente das balizas, na zona onde os jogadores mais audaciosos se atrapalham, tornando natural o aproveitamento das oportunidades que sempre surgem na referida zona. Também o seu poder de remate, quer com qualquer dos pés quer com a cabeça, dá à sua personalidade uma eficiência fora do vulgar. O oitavo golo contra o Braga coroou uma exibição (marcou 4 golos) que abrirá porventura uma carreira brilhante. Talvez haja surgido um novo “astro” no firmamento do futebol português.
   Ainda no último domingo, no Porto, o novo centro-dianteiro do Benfica foi o único que se salvou do naufrágio na linha da frente, mostrando faculdades e espreitando a ocasião de lançar o remate vitorioso. As duas bolas do Benfica foram da sua autoria. 
(Campeonato 50/51, Porto, 5 – Benfica, 2)


Emblema do Lusitano Sports Clube do Lobito

   A 19 de Agosto de 1950, o Sport Lisboa e Benfica, o «Glorioso», deslocou-se à cidade angolana do Lobito, onde, no Campo do Lusitano Sports Clube, defrontou a Selecção do Lobito. Nesse dia, a selecção local cometeu uma proeza inédita, vencendo o grande Benfica por 3-1.
   Ao intervalo registava-se um empate a uma bola, tendo Corona marcado para o Benfica e Lourenço pela selecção do Lobito. No interregno, o inglês Ted Smith, técnico do Benfica, perguntava a toda a gente qual era a idade do avançado-centro, um jovem alto e magro que o tinha impressionado favoravelmente em duas ou três intervenções e que lhe parecera bastante jovem.
   No início do segundo tempo, eram decorridos 30 segundos de jogo, ainda o «mister» não se tinha sentado, quando uma ofensiva do Benfica foi interceptada por Zé da Barca, um
moçambicano radicado no Lobito, que, de imediato, entregou a Amândio Couceiro, o qual faz um passe de «morte» ao jovem Águas - assim se chamava o tal avançado centro - que, com um remate «seco», bate Contreiras, colocando a selecção do Lobito a vencer por 2-1. A multidão não acreditava no que os seus olhos viam, o resultado era desfavorável ao Benfica! A partir daí, o Benfica carregou no acelerador e esperava-se a qualquer o momento o golo do empate; contudo, em mais um ataque rapidíssimo do Benfica, o mesmo Zé da Barca voltou a interceptar a bola, endossando-a a Pavão que, de imediato, a colocou ao alcance de Águas, fazendo este o 3º golo e, assim, «matando» o jogo. Desmoralizado e com um resultado desfavorável de 3-1, o Benfica baixou os braços à espera do apito que colocasse ponto final naquele «calvário».”
Extraído do Jornal dos Leitores - Expresso, de 9-Nov-2000, de Arlindo Leitão




   Quando chegou a Lisboa, a 18 de Setembro de 1950, poucos seriam capazes de adivinhar que aquele rapaz bem-parecido, com pinta de actor de cinema, seria, 12 anos mais tarde, o grande José Águas, um dos mais notáveis avançados de sempre do futebol português, reconhecido unanimemente como o melhor cabeceador que os nossos estádios conheceram até hoje.
  A sua estreia, na Tapadinha, uma semana depois de ter desembarcado, constituiu enorme desilusão. Desenquadrado da equipa, impiedosamente marcado pelos defesas adversários (Armindo e Baptista), o novo ponta-de-lança desiludiu. Quem havia de dizer que aquilo era apenas o mau início de uma carreira fulgurante?
  José Águas rompeu com o conceito em vigor na altura quanto ao que é e como devia ser um avançado-centro. De um dia para o outro o futebol português passou a ter como referência um jogador de elegância máxima, frio, racional nos esforços, com requinte no modo como tratava a bola e possuidor de um jogo de cabeça único. 
   Já com a braçadeira de capitão e senhor do estatuto de melhor marcador encarnado de todos os tempos — que só muito mais tarde perdeu para Eusébio —, Águas entrou na história como o primeiro português a sentir o peso da Taça dos Campeões Europeus. E sentiu-o por duas vezes. 
Ao cabo de uma vida inteira a marcar golos, a sua imagem erguendo o troféu conquistado ao Real Madrid, em 1962, ficará para sempre como a mais emblemática. Um momento de felicidade suprema que resume 12 anos fantásticos ao serviço do Benfica.
Jornal A Bola